domingo, 25 de novembro de 2012

Providência: Primeira favela do Rio se une pra enfrentar mudanças pós pacificação


Depois da pacificação, as mudanças. Algumas boas, outras nem tanto. A providência, primeira favela do Rio de Janeiro, foi pacificada em março de 2010 e desde então, várias regras da "cidade formal" subiram o morro. Dentre elas, a regulação do mercado.

Prefeitura inaugurará Telefético em março.
Testes começam em dezembro. Obras
de urbanização duram mais um ano e meio
A Providência completou este mês, 115 anos. É pouco mais de um século do mais solene e formal abandono, a ponto de sequer, constar no mapa oficial da cidade, o que implica em não constar no orçamento público votado na câmara e então, um reabandono. São 4 favelas, cerca de 5 moradores em pouco mais que 1500 domicílios, ocupando uma área de mais ou menos 130 mil metros quadrados, numa região central e muito abandonada. Quem anda por ali e vê casarões enormes caindo aos pedaços, sabe disso. Em meio a escombros, obras do Teleférico, que deve ficar pronto em março. A obra vai ligar o alto do morro à Central do Brasil e foi alvo de muito, mas muitos, protestos por causa das remoções feitas em prol do "progresso". Você pode ver as fotos do protestos, feitas pelo coletivo Entre sem Bater aqui e matérias sobre as remoções, no Viva Favela, Rio On Watch, na BBC de Londres e em muitos lugares que vc pode "googlar".

De uma hora pra outra, regras novas, costumes novos, mudanças bruscas que muitas vezes vem num pacote fechado, sem mais uma vez, perguntarem: "E aí morador? Vc que está aqui há 50 anos, o que vc precisa? A água chega no alto do morro? Seu esgoto está encanado?". Isto não quer dizer que não exista boas iniciativas ou boas intenções por parte de alguns agentes públicos ou privados, por que há. Mas ainda são minoria.

Desde a pacificação há agentes da UPP Social atuando no local. Estes agentes são moradores da favela, o que colabora neste sentido de saber o que é necessário de fato. Eles tem, por exemplo, mapeado as ruas, becos e vielas da região para que entrem no mapa da cidade. Isso há de corrigir não só a falta de investimentos, mas um problema crônico: a falta de cidadania, a invisibilidade. Muitos destes cidadãos, que pagam impostos como moradores de quaisquer área do Rio, não tem CEP. Parece uma bobagem, mas pense: como abrir uma conta no banco, sem comprovante de moradia? Como comprar um fogão e mandar entregar? Como receber uma carta? Este é um passo EXTREMAMENTE importante. Demorou 100 anos, mas a cidadania está subindo o morro. Ponto Positivo!

Eles tem voz e força


Dona Glória tem um bar na Providência há 7 anos.
Serviu costela no bafo, no Festival
Acostumados com as "receitas prontas" que lhe são impostas, mas ainda mais acostumados a lutar contra isso e contra o senso comum do "eles não tem formação, não sabem decidir o que é melhor pra eles", moradores viram no Festival de Gastronomia da Providência uma forma de unir forças, articular em rede, mostrar seu valor, sua cultura e mandar o recado: "Nós estamos aqui há décadas, nós sabemos o que queremos e como queremos". O evento é uma forma de articular forças para enfrentar a nova organização mercadológica do local.

O Festival é o primeiro evento organizado com apoio do Governo do Estado, através da Secretaria de Estado Assistência social e Direitos Humanos, com a interface de Jocelene Ignácio, que trabalha ouvindo as necessidades da comunidade, trabalhando de fato, como mediadora entre o Estado, instituições e moradores. Conta ainda com apoio do Sebrae e Instituto Pereira Passos, gestor da UPP Social.

Nem tudo são flores

Quem visitou o Festival entre ontem e hoje, pode ver as obras do artista português, Alexandre Farto aka Vhils. Ele esteve no país há pouco, durante turnê mundial de seu projeto, o Descascando a Superfície.
Obras de Vhils: Beleza em meio a escombros     

E foi o que ele fez. Em meio aos escombros das obras do teleférico e remoções na Providência, ele descascou paredes isoladas entre a montanhas de lixo e entulho, esculpindo rostos com nuances sofridas, como muitos dos rostos de quem sobe e desce aquelas ladeiras há décadas.

Em entrevista ao JB, ele falou sobre seu trabalho na Providência: “Tento com o meu trabalho escavar as várias camadas que compõem o edifício da história, pegar nas sombras deste modelo de desenvolvimento uniformizador para tentar compreender o que se encontra por trás. É uma dissecação semiarqueológica na procura de uma base funcional, de uma essência que se perdeu na sobreposição de camada sobre camada sobre camada".

Providência tem história e é história

Providência em obras
Considerada oficialmente a primeira favela do Rio de Janeiro, o Morro da Providência, que fica atrás da Central do Brasil, foi batizado no final do século 19 como Morro da Favela, daí também a origem do nome (substantivo) que se espalhou depois por outras comunidades carentes do Rio de Janeiro e do Brasil. Os primeiros moradores do Morro da Favela eram ex-combatentes da Guerra de Canudos e se fixaram no local por volta de 1897. Cerca de 10 mil soldados foram para o Rio com a promessa do Governo de ganhar casas na então capital federal. Como os entraves políticos e burocráticos atrasaram a construção dos alojamentos, os ex-combatentes passaram a ocupar provisoriamente as encostas do morro - e por lá acabaram ficando.

Tanto a origem do nome Favela quanto Providência remetem à Guerra de Canudos, travada entre tropas republicanas e seguidores de Antônio Conselheiro no sertão baiano. Favela era o nome de um morro que ficava nas proximidades de Canudos e serviu de base e acampamento para os soldados republicanos. Faveleiro é também o nome de um arbusto típico do sertão nordestino. O então jornalista e escritor Euclides da Cunha descreveu assim o morro da Favela no seu livro Os Sertões, sobre a Guerra de Canudos:

"O monte da Favela, ao sul, empolava-se mais alto, tendo no sopé, fronteiro à praça, alguns pés de quixabeiras, agrupados em horto selvagem. À meia encosta via-se solitária, em ruínas, a antiga casa da fazenda (...). O arraial, adiante e embaixo, erigia-se no mesmo solo perturbado. Mas vistos daquele ponto, de permeio a distância suavizando-lhes as encostas e aplainando-os... davam-lhe a ilusão de uma planície ondulante e grande".

Baía de Guanabara: Vista panorâmica da Providência

Quando os soldados desembarcaram no Rio após a sangrenta e vitoriosa campanha contra os seguidores de Antônio Conselheiro, o Morro da Favela era tomado por uma vegetação rasteira. Segundo relatos, entre os arbustos da região eles poderiam ter encontrado o mesmo faveleiro típico do sertão, daí a inspiração do nome. A pesquisadora Sônia Zylberberg, autora do livro Morro da Providência: Memórias da Favella, no entanto, não acredita nessa hipótese. Segunda ela, o solo do morro carioca é bastante diferente do encontrado no sertão baiano.

A antropóloga Alba Zaluar lembra que na virada do século já existiam barracos parecidos com os da Favela em outros morros do Rio de Janeiro. Organizadora do livro Um século de favela, junto com o historiador Marcos Alvito, ela explica o porquê do termo ter virado sinônimo de comunidade carente. "As pessoas olhavam, viam as casas de zinco parecidas com as do morro do Centro e também chamavam de favela. Resultado: favela virou substantivo", diz. 

O nome Favela continua a ser usado até hoje por moradores antigos. A primeira associação de moradores da comunidade, por exemplo, fundada nos anos 60, ainda adota em seus estatutos o nome oficial de Associação Pró-Melhoramento do Morro da Favela.

Já o nome Providência, que passou a ser usado a partir dos anos 20 e 30, seria uma referência a um rio nas proximidades de Canudos.

O rio também foi citado por Euclides da Cunha em Os Sertões:

"Ali vão ter quebradas de bordas a pique, abertas pelas erosões intensas por onde, no inverno, rolam acachoando afluentes efêmeros tendo os nomes falsos de rios: o Mucuim, o Umburanas, e outro, que sucessos ulteriores denominariam da Providência".

O fato de ter sido a primeira favela do Rio, no entanto, não é consenso entre os especialistas. Para muitos, o Morro da Favela, pela localização, era sim a comunidade mais visível. Nessa mesma época, final do século 19, já existiam núcleos de mesmas características em outras partes da cidade, como no Morro do Castelo e no Morro de Santo Antônio, ambos no Centro.

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