sábado, 18 de maio de 2013

Um ano e Um dia: documentário mostra luta de moradores da Baixada pelo direito à moradia


Por Cecília Olliveira

No dia 17 de maio de 2003, cerca de 300 famílias da Baixada Fluminense ocuparam um terreno localizado próximo ao conjunto habitacional Pantanal, em Nova Iguaçu. O espaço, abandonado há décadas, servia para "desova" de cadáveres. Os moradores organizaram comissões, limparam a área, dividiram os lotes e construíram suas casas, que por cinco vezes foram derrubadas pela polícia.

Filmado em um único dia e sem recursos externos, 1 ano e 1 dia mostra a luta daqueles que batalharam por um pedaço de terra e que, mesmo sob o terror da violência policial, persistiram no sonho. Os diretores acompanharam as comemorações de aniversário da ocupação e reconstruíram, por meio de entrevistas com os moradores, a história das batalhas travadas até ali.



De acordo com o Doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito e membro da Associação Juízes para a Democracia, João Batista Damasceno, "é preciso lembrar que o então Prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, foi intimado a dizer se aceitava doação do terreno - que o proprietário aceitava doar - para assentar o pessoal e não respondia se aceitava ou não. Foi determinado que o processo com a oferta de doação lhe fosse entregue em mão, mas ele devolveu dizendo não aceitar a doação que poderia resultar na regularização das moradias. Um dos procuradores me falou que ele não aceitava a doação porque a regularização de uma ocupação poderia incentivar outras ocupações. Ainda que o Ministério da Cidade tivesse o dinheiro e se dispusesse a repassá-lo para as obras de saneamento, ele não aceitou a doação e não requereu o repasse do dinheiro. Mas, depois de julgada a possessória ele cadastrou o pessoal e fez doação de saquinhos de leite confeccionados com dinheiro público e com seu nome gravado. Deve estar respondendo ainda por improbidade administrativa".


Ficha técnica



Direção: Cacau Amaral, João Xavi e Rafael Mazza
Imagens: Cacau Amaral e Rafael Mazza
Som direto: João Xavier
Pesquisa: Cacau Amaral, João Xavi, Rafael Mazza e DJ DMC
Edição: Cacau Amaral
Finalização: Rafael Mazza
Tempo: 15 minutos
Formato captura: Mini-DV
Áudio: português - mono
Sistema: NTSC
Legendas: Inglês e francês



Prêmios



Prêmio Cara Liberdade – Mostra do Filme Livre - RJ (2005)
Prêmio Melhor curta pelo júri popular – Jovens Realizadores do Mercosul – CE (2005)
Prêmio Melhor curta – Festival de Curtas da UNIOESTE – PR (2005)



Outros festivais



1ª Festival NOSSAS NOVAS, Paris, França (2008)
4ª edição de BRÉSIL EN MOUVEMENTS, Paris, França (2008)
1º FRI Cine, RJ (2008)
5º Festival de Cinema de Maringá (2008)
Cine Social do Festival de Gramado, RS (2007)
Cine Cufa, O Cinema na Tela da Favela, RJ (2007)
Cine Cufa, Periferia Criativa, DF (2007)
Festival do Rio (2005)
I CINEPORT, Festival de Cinema dos Países de Língua Portuguesa, MG (2005)
10ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, RJ (2005)
II Mostra Cinema Popular Brasileiro em São Pedro da Serra, RJ (2005)
Festival Curta-SE V, SE (2005)
Festival Cine Ceará, CE (2005)
10º Festival Brasileiro de Cinema Universitário, RJ (2005)
Mostra Tangolomango, RJ (2005)
Hutúz Filme Festival, RJ (2005)

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Os humilhados serão exaltados: O preço do progresso é o mesmo desde a monarquia



Por Cecília Olliveira



Foto: Davi Marcos
Remoção: Ação ou efeito de remover ou ser removido. O conceito no dicionário é claro. Tão claro como o cotidiano da vida de milhares de cariocas desde que o Rio de Janeiro viveu a abolição e os negros tomaram as ruas da então capital federal da República, espalhando aquilo que “ninguém” podia ver: a pobreza que ameaçava a ordem e a beleza da aspirante a Paris tropical. 



Uma das primeiras remoções de que se tem notícia foi a que deu origem ao Morro da Favela, hoje conhecido como Morro da Providência e que até hoje sobre com remoções, como você pode ver aqui. Os negros alforriados que ocuparam lugares nos arredores das cidades, formando os cortiços, foram desabrigados de uma forma ainda comum: polícia chega, dá a ordem para sair, prende os que resistem, bota o lugar a abaixo. A história foi recentemente ilustrada numa cena da novela de João Emanuel Carneiro, feita com a ajuda de historiadores, Lado a Lado (confira a cena aqui). Assim, o cortiço Cabeça de porco, posto abaixo em 1893 pelo prefeito Barata Ribeiro deu origem a primeira favela do Rio. 


Logo os negros ganharam vizinhos. Os soldados que defenderam a República na Guerra de Canudos, na Bahia, também se instalaram ali, já que que não obtiveram sucesso na cobrança. 

Mais de 100 anos se passaram, o ação governamental ganhou ares de “progresso”, mas as práticas são as mesmas. Em 1800 casas que eram marcadas com a sigla PR (Príncipe Regente), hoje são marcadas com SHM (Secretaria Municipal de Habitação). Ambas residências estavam no lugar “errado”, por onde passaria o “progresso”, precisavam e ainda precisam, não estar ali e servir ao interesse da força dominante. Outrora Família Real, hoje especulação imobiliária. Em comum, o desrespeito, a imposição de decisões estatais, a destruição de histórias e vidas. É isso que o fotógrafo e videomaker Davi Marcos, de 34 anos, documenta. 

Filho de um mineiro e uma carioca, ambos moradores de favelas, hoje ele mora na favela Roquete Pinto, no Complexo da Maré. Seu pai morava na Baixa do Sapateiro, no Complexo da Maré e sua mãe no Morro do Andaraí, Morro dos Macacos, Morro do Timbau e Bonsucesso. Quando casaram, foram morar na COHAB de Ramos, onde Davi nasceu. Ele é pai de Marcos Eduardo, de 10 anos, a quem chama de “motivo para continuar meu sonho de artista”. 

"Espaço físico também carrega emoções"
Foto: Davi Marcos
“Queria mostrar que o espaço físico também carrega emoções, afinal, quem construiu aquele espaço, em sua grande maioria, foram as próprias pessoas que moravam ali. Logo eu via que sentimentos, memórias e impressões, de uma "comunidade" estavam "impregnados" em concreto, tijolos e madeira”, explica ele, que retrata tudo isso na série "Os humilhados serão exaltados", em construção, mas já disponível aqui.

As remoções e os escombros de casas das 31 favelas dos Complexos de Favelas de Manguinhos (13) e Jacarezinho (18), são o objeto de trabalho de Davi. A área ocupada em outubro para instalação de UPP, que foi inaugurada em 16 de janeiro tem pouco mais de um quilômetro quadrado e 75 mil habitantes. Destes, 26% são crianças com até 14 anos. 


De acordo com a legislação municipal o valor do aluguel social é de R$ 400, pagos por até dois anos, prorrogável por igual período. O removido tem duas “opções”: receber o valor do seu imóvel ou ser reassentado em algum lugar da cidade. A segunda opção seria a “menos pior”, se estes reassentamentos não fossem feitos em locais sem a mínima infraestrutura, para onde faltam escolas, hospitais, transporte, comércio, ou seja, o básico. Mais uma vez, a sonegação do básico. A avaliação do preço do imóvel é feita com base no Decreto 34522, de 2011 e avalia benfeitorias dos imóveis, ou seja, varia de caso a caso. (Veja aqui as partes 1, 2, 3 e 4 do decreto e aqui uma entrevista do Secretário de Habitação, Jorge Bittar)


Conheça a história de Davi Marcos, contada por ele mesmo: 

Davi e o filho:
"motivo para continuar meu sonho de artista"
(Arquivo Pessoal)
“Tenho um filho de 9 anos, Marcos Eduardo, que está sempre me motivando a continuar meu sonho de artista. Minha mãe tinha um apartamento que herdara de meu pai, esse que foram morar quando casaram. Porém ela deveria repartir com uma das irmãs de meu pai, pois constava na documentação o nome dela. 

Sempre houve briga pelo apartamento, minha mãe veio a falecer, dentro do mesmo, e eu decidi acabar com aquele karma. Vendi o apartamento por um valor muito abaixo ao de mercado, dei a parte de minha tia e fui em busca de uma nova moradia. Eu estava com muitas dívidas e desempregado, paguei o que devia e me mantive com o dinheiro que sobrou por um ano. Comprei ainda uma kitchenette na comunidade da Cobal, na "Faixa de Gaza" carioca. 

Conheci mais a fundo o Complexo do Mandela e Manguinhos, em um período que não conseguia mais ficar no apartamento da COHAB de Ramos. Passei um tempo morando no Mandela 2, na casa de meu amigo Bruno, um tatuador muito famoso na localidade. 

Antes disso, na verdade uns 9 anos antes, eu já havia morado em Manguinhos, numa casa de um outro amigo. Era a fase em que eu tinha uma banda Punk e a casa era frequentada por "roqueiros" de várias partes do subúrbio. Foi uma fase bem divertida. Andava de skate, estudava, trabalhava e cantava nessa banda, cujo nome era Abstinência. 

Também tive outra relação com Manguinhos e Mandela. Fui instrutor de fotografia em um projeto da Secretaria de Cultura, Governo Federal e Observatório de Favelas que se chamava Memórias do PAC. Nele os alunos fariam registros das transformações que aconteceriam na localidade durante a execução do projeto, mas infelizmente não houve uma continuidade. Isso acabou me estimulando a fazer algum tipo de registro sobre o que estava acontecendo, mas tive que deixar de lado por um tempo, pois a necessidade maior era meu sustento e de meu filho. Cheguei ao ponto de vender meu equipamento de fotografia. 

Passada esta fase ruim, retomei meu projeto pessoal e decidi que faria algo diferente do que nós, "os de dentro", sempre fazíamos. Queria mostrar que o espaço físico também carrega emoções, afinal, quem construiu aquele espaço, em sua grande maioria, foram as próprias pessoas que moravam ali, logo eu via que sentimentos, memórias e impressões, de uma "comunidade" estavam "impregnados" em concreto, tijolos e madeira. 

O nome do trabalho
Foto: Davi Marcos
Numa das minhas "incursões" pelos escombros, vi uma frase muito emblemática no terceiro andar de uma casa, Os Humilhados Serão Exaltados, ficou ecoando em minha mente, com certa tristeza e revolta, sentia como se a energia, daquele momento e de quem escreveu aquilo, estivesse tocando minha alma. Como estou me direcionando aos escombros, praticamente não sou visto fotografando, mas uma vez vi um olhar de uma senhora e era como se dissesse, o que tá fazendo aí? Não tem nada. Eu sorri e continuei minha busca pelos vestígios. 

A frase mais marcante não vi em parede. Ouvi de um vizinho que tem um comércio, ainda hoje em funcionamento, o Dentinho, que disse assim: “Davi, acabou tudo, quem viveu, viu e viveu, agora acabou, acabou a COBAL”. Ele me disse isso depois que comentei com ele que levaram as ferramentas de meu pai, uma cadeira de praia, um colchão inflável e as janelas, portas e canos de minha ex-casa. 

Isso aconteceu após o esvaziamento da favela, já as pessoas iam recebendo o aluguel social e indo embora. Isso faz cerca de oito meses. Então começaram os furtos, já que as pessoas não conseguiam levar tudo de uma vez de suas casas. Assim perdi as ferramentas que meu usava quando vivo. Ele era marceneiro. Esse foi mais um motivo para que eu buscasse naqueles escombros as memórias que dificilmente serão mostradas de outra forma. 

Casa destruida em Manguinhos
Foto: Davi Marcos
Enquanto tudo não for destruído por completo continuo esse trabalho. Espero que ele um dia se torne uma exposição. Isto que talvez concretize a exaltação que esperava quem escreveu a frase que tomou o meu projeto de mim e "resignificou" como uma ação da favela e não minha. Não sei explicar bem isso, mas é o que sinto. Não é mais meu e talvez nunca tenha sido. É de todos que em algum momento tiveram que tirar suas "raízes" e se transferirem para um outro lugar. 

No nosso caso, onde as estruturas não têm o suor de quem mora, mas que, espero, tenha a estrutura básica que todos devem ter, com material de qualidade e um planejamento eficaz, não apenas uma simples remoção, na verdade nem sabemos onde serão construídos os nossos apartamentos, mas estamos, mesmo que espalhados, de alguma forma juntos nessa jornada. 


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A importância da comunicação popular e alternativa no processo de democratização da sociedade

Em entrevista a TV Memória Latina, o professor da UFRRJ, José Claudio Alves, destacou a importância da comunicação popular e alternativa no processo de democratização da sociedade. Um dos palestrantes no debate sobre “a mídia e a criminalização da pobreza”, durante a abertura do 18º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) no dia 21 de novembro de 2012, o professor José Claudio Alves, da UFRRJ, destacou a importância da população se apropriar da comunicação alternativa para lutar contra a hegemonia dos meios de comunicação.


No mesmo evento, o professor da UFF, falou da retratação do processo de implantação das UPPs na cidade do Rio de Janeiro pela mídia.



domingo, 25 de novembro de 2012

Seu Manoel: 50 anos de Turano e uma barbearia parada no tempo

Seu Manoel: 50 anos de Turano

Outro dia fui fazer uma matéria no Turano e me deparei com um cenário que me leva a década de 20, 30. Uma barbearia, cujo dono, paraibano, fincou o pé em terras cariocas há 50 anos. Hoje ele tem 83 anos e continua cortando cabelos. Um espaço pequeno, altura de pouco mais de um metro e meio, muitos papéis empilhados e um ar de tranquilidade. Exatamente por me dar esta impressão de estar parada no tempo, editei a foto para ficar meio envelhecida.

"Vou falar que já pensei em sair daqui. Mas aí orei ao Senhor e ele disse que meu lugar é aqui. Então decidi ficar", diz Seu Manoel, conhecido também como Manoel Barbeiro, ao contar histórias de sua vida pra mim e mais alguns que os ouvíamos.

Ele contou que mesmo na época em que o tráfico era pesado na área, ele não temia. "Eles me respeitavam. Eu passava perto dos meninos [do tráfico] e conversava com eles, orava com eles. Eles realmente me ouviam e sabiam que esse era o meu dever como cristão", disse. 

O Turano tem Unidade de Polícia Pacificadora desde setembro de 2010. Desde então o uso ostensivo de armas e os tiroteios diários são bem raros. Ainda há tráfico de drogas e outros delitos, mas são em menor número e veladamente.

Providência: Primeira favela do Rio se une pra enfrentar mudanças pós pacificação


Depois da pacificação, as mudanças. Algumas boas, outras nem tanto. A providência, primeira favela do Rio de Janeiro, foi pacificada em março de 2010 e desde então, várias regras da "cidade formal" subiram o morro. Dentre elas, a regulação do mercado.

Prefeitura inaugurará Telefético em março.
Testes começam em dezembro. Obras
de urbanização duram mais um ano e meio
A Providência completou este mês, 115 anos. É pouco mais de um século do mais solene e formal abandono, a ponto de sequer, constar no mapa oficial da cidade, o que implica em não constar no orçamento público votado na câmara e então, um reabandono. São 4 favelas, cerca de 5 moradores em pouco mais que 1500 domicílios, ocupando uma área de mais ou menos 130 mil metros quadrados, numa região central e muito abandonada. Quem anda por ali e vê casarões enormes caindo aos pedaços, sabe disso. Em meio a escombros, obras do Teleférico, que deve ficar pronto em março. A obra vai ligar o alto do morro à Central do Brasil e foi alvo de muito, mas muitos, protestos por causa das remoções feitas em prol do "progresso". Você pode ver as fotos do protestos, feitas pelo coletivo Entre sem Bater aqui e matérias sobre as remoções, no Viva Favela, Rio On Watch, na BBC de Londres e em muitos lugares que vc pode "googlar".

De uma hora pra outra, regras novas, costumes novos, mudanças bruscas que muitas vezes vem num pacote fechado, sem mais uma vez, perguntarem: "E aí morador? Vc que está aqui há 50 anos, o que vc precisa? A água chega no alto do morro? Seu esgoto está encanado?". Isto não quer dizer que não exista boas iniciativas ou boas intenções por parte de alguns agentes públicos ou privados, por que há. Mas ainda são minoria.

Desde a pacificação há agentes da UPP Social atuando no local. Estes agentes são moradores da favela, o que colabora neste sentido de saber o que é necessário de fato. Eles tem, por exemplo, mapeado as ruas, becos e vielas da região para que entrem no mapa da cidade. Isso há de corrigir não só a falta de investimentos, mas um problema crônico: a falta de cidadania, a invisibilidade. Muitos destes cidadãos, que pagam impostos como moradores de quaisquer área do Rio, não tem CEP. Parece uma bobagem, mas pense: como abrir uma conta no banco, sem comprovante de moradia? Como comprar um fogão e mandar entregar? Como receber uma carta? Este é um passo EXTREMAMENTE importante. Demorou 100 anos, mas a cidadania está subindo o morro. Ponto Positivo!

Eles tem voz e força


Dona Glória tem um bar na Providência há 7 anos.
Serviu costela no bafo, no Festival
Acostumados com as "receitas prontas" que lhe são impostas, mas ainda mais acostumados a lutar contra isso e contra o senso comum do "eles não tem formação, não sabem decidir o que é melhor pra eles", moradores viram no Festival de Gastronomia da Providência uma forma de unir forças, articular em rede, mostrar seu valor, sua cultura e mandar o recado: "Nós estamos aqui há décadas, nós sabemos o que queremos e como queremos". O evento é uma forma de articular forças para enfrentar a nova organização mercadológica do local.

O Festival é o primeiro evento organizado com apoio do Governo do Estado, através da Secretaria de Estado Assistência social e Direitos Humanos, com a interface de Jocelene Ignácio, que trabalha ouvindo as necessidades da comunidade, trabalhando de fato, como mediadora entre o Estado, instituições e moradores. Conta ainda com apoio do Sebrae e Instituto Pereira Passos, gestor da UPP Social.

Nem tudo são flores

Quem visitou o Festival entre ontem e hoje, pode ver as obras do artista português, Alexandre Farto aka Vhils. Ele esteve no país há pouco, durante turnê mundial de seu projeto, o Descascando a Superfície.
Obras de Vhils: Beleza em meio a escombros     

E foi o que ele fez. Em meio aos escombros das obras do teleférico e remoções na Providência, ele descascou paredes isoladas entre a montanhas de lixo e entulho, esculpindo rostos com nuances sofridas, como muitos dos rostos de quem sobe e desce aquelas ladeiras há décadas.

Em entrevista ao JB, ele falou sobre seu trabalho na Providência: “Tento com o meu trabalho escavar as várias camadas que compõem o edifício da história, pegar nas sombras deste modelo de desenvolvimento uniformizador para tentar compreender o que se encontra por trás. É uma dissecação semiarqueológica na procura de uma base funcional, de uma essência que se perdeu na sobreposição de camada sobre camada sobre camada".

Providência tem história e é história

Providência em obras
Considerada oficialmente a primeira favela do Rio de Janeiro, o Morro da Providência, que fica atrás da Central do Brasil, foi batizado no final do século 19 como Morro da Favela, daí também a origem do nome (substantivo) que se espalhou depois por outras comunidades carentes do Rio de Janeiro e do Brasil. Os primeiros moradores do Morro da Favela eram ex-combatentes da Guerra de Canudos e se fixaram no local por volta de 1897. Cerca de 10 mil soldados foram para o Rio com a promessa do Governo de ganhar casas na então capital federal. Como os entraves políticos e burocráticos atrasaram a construção dos alojamentos, os ex-combatentes passaram a ocupar provisoriamente as encostas do morro - e por lá acabaram ficando.

Tanto a origem do nome Favela quanto Providência remetem à Guerra de Canudos, travada entre tropas republicanas e seguidores de Antônio Conselheiro no sertão baiano. Favela era o nome de um morro que ficava nas proximidades de Canudos e serviu de base e acampamento para os soldados republicanos. Faveleiro é também o nome de um arbusto típico do sertão nordestino. O então jornalista e escritor Euclides da Cunha descreveu assim o morro da Favela no seu livro Os Sertões, sobre a Guerra de Canudos:

"O monte da Favela, ao sul, empolava-se mais alto, tendo no sopé, fronteiro à praça, alguns pés de quixabeiras, agrupados em horto selvagem. À meia encosta via-se solitária, em ruínas, a antiga casa da fazenda (...). O arraial, adiante e embaixo, erigia-se no mesmo solo perturbado. Mas vistos daquele ponto, de permeio a distância suavizando-lhes as encostas e aplainando-os... davam-lhe a ilusão de uma planície ondulante e grande".

Baía de Guanabara: Vista panorâmica da Providência

Quando os soldados desembarcaram no Rio após a sangrenta e vitoriosa campanha contra os seguidores de Antônio Conselheiro, o Morro da Favela era tomado por uma vegetação rasteira. Segundo relatos, entre os arbustos da região eles poderiam ter encontrado o mesmo faveleiro típico do sertão, daí a inspiração do nome. A pesquisadora Sônia Zylberberg, autora do livro Morro da Providência: Memórias da Favella, no entanto, não acredita nessa hipótese. Segunda ela, o solo do morro carioca é bastante diferente do encontrado no sertão baiano.

A antropóloga Alba Zaluar lembra que na virada do século já existiam barracos parecidos com os da Favela em outros morros do Rio de Janeiro. Organizadora do livro Um século de favela, junto com o historiador Marcos Alvito, ela explica o porquê do termo ter virado sinônimo de comunidade carente. "As pessoas olhavam, viam as casas de zinco parecidas com as do morro do Centro e também chamavam de favela. Resultado: favela virou substantivo", diz. 

O nome Favela continua a ser usado até hoje por moradores antigos. A primeira associação de moradores da comunidade, por exemplo, fundada nos anos 60, ainda adota em seus estatutos o nome oficial de Associação Pró-Melhoramento do Morro da Favela.

Já o nome Providência, que passou a ser usado a partir dos anos 20 e 30, seria uma referência a um rio nas proximidades de Canudos.

O rio também foi citado por Euclides da Cunha em Os Sertões:

"Ali vão ter quebradas de bordas a pique, abertas pelas erosões intensas por onde, no inverno, rolam acachoando afluentes efêmeros tendo os nomes falsos de rios: o Mucuim, o Umburanas, e outro, que sucessos ulteriores denominariam da Providência".

O fato de ter sido a primeira favela do Rio, no entanto, não é consenso entre os especialistas. Para muitos, o Morro da Favela, pela localização, era sim a comunidade mais visível. Nessa mesma época, final do século 19, já existiam núcleos de mesmas características em outras partes da cidade, como no Morro do Castelo e no Morro de Santo Antônio, ambos no Centro.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Consciência Negra na favela



Um bom dia para colocar no ar um blog sobre FAVELA e sua história. Sua realidade: Dia da CONSCIÊNCIA NEGRA, tendo em vista que a população favelada é essencialmente negra.


Acordo, dou uma olhada no Facebook e vejo questionamentos (de mais  pessoas brancas, que negras) sobre: "Por que essa "bobagem" de dia da consciência negra? Temos que investir mais nisso ou aquilo". Algumas justificativas "básicas":

  • Porque negros ganham 50% menos que brancos, mesmo desempenhando a MESMA FUNÇÃO, conforme dados do IBGE 2012, base 2010 (ou seja, não me venha com essa de que devemos, "primeiro" , investir em educação)
  • Porque ainda ouço amigos/as negros, se identificando como "moreno(a) bombom", com vergonha de sua raça >> De acordo com o Censo do IBGE 2010, 91 milhões de pessoas se autodeclararam brancas, 97 milhões de pessoas negras (15 milhões pretas e 82 milhões pardas), 2 milhões como amarelas e 817 indígenas.
  • Porque a mortalidade materna de mulheres negras é 3-4 vezes maior que para as mulheres brancas (Pesquisa da enfermeira negra Alaerte Leandro Martins)
  • Porque o Mapa da violência 2011 mostra que o número de homicídios de brancos caiu de 20,6 para cada 100 mil habitantes em 2002, para 15 em 2010. Já o dos negros subiu de 30 para cada 100 mil habitantes em 2002, para 35,9 em 2010. O número de vítimas brancas caiu de 18.852, em 2002 para 13.668, em 2010 (27,5% menos), o número de negros vítimas de assassinatos no mesmo período pulou de 26.952 para 33.624, um aumento de 23,4%.
  • Porque ainda tenho amigos/as negros/as que recriminam outros negros porque andam de "cabelo bagunçado", leia-se não "embranquecido" e alisado.
  • A vitimização negra é maior nas regiões Norte e Nordeste e os cinco Estados onde há o maior número de homicídios de negros em relação aos brancos são Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Distrito Federal e Sergipe, todos com taxas acima de 50 assassinatos por 100 mil negros. 
  • Entre 15 e 19 anos de idade, essa taxa é de 43,7%, já entre 20 e 24 pula para 60,9%, enquanto de 25 anos até 29 atinge 51,6%.

O Programa de Redução da Violência Letal, divulga anualmente o Índice de Homicídios na Adolescência:

O IHA expressa, para um universo de mil pessoas, o número de adolescentes que, tendo chegado à idade de 12 anos, não alcançará os 19 anos, porque será vítima de homicídio. Por outro lado, estima o número de homicídios que se pode esperar ao longo de sete anos (entre os 12 e os 18 anos) se as condições não mudarem. 

Hoje, os homicídios representam 44% das causas de morte dos cidadãos brasileiros dessa faixa etária. A maioria dos homicídios – seis, em cada sete - é cometida com arma de fogo. A probabilidade de ser vítima de homicídio é 14 vezes superior para os adolescentes de sexo masculino, em comparação com adolescentes do sexo feminino, e quase quatro vezes mais alta para os negros em comparação com os brancos.

Obviamente todos podem opinar e discordar. Mas tenham a decência de fazer isso com base em algo. Achar isso ou aquilo, é mais próximo de preconceito do que de opinião. Viva a minha raiz. A minha negritude! Negro é raiz da liberdade!

"Aqui onde estão os homens
Dum lado cana de açúcar
Do outro lado o cafezal
Ao centro senhores sentados
Vendo a colheita do algodão branco, branco, branco
Sendo colhidos por mãos negras"



domingo, 4 de novembro de 2012

Meu nome é F.A.V.E.L.A

Autoria: Arlindo Cruz


Eu sempre fui assim mesmo
Firmeza total e pureza no coração
Eu sempre fui assim mesmo
Parceiro fiel que não deixa na mão

É o meu jeito de ser
Falar com geral e ir a qualquer lugar
E é tão normal de me ver
Tomando cerveja calçando chinelo no bar

Não dá pra evitar bate papo informal
Quando saio pra comprar o pão
Falar de futebol
E do que tá rolando de novo na televisão

Suburbano nato com muito orgulho
Mostro no sorriso nosso clima de subúrbio

Eu gosto de fritada e jogar uma pelada
Domingo de sol
E fazer churrasquinho com a linha esticada
no poste passando cerol

Cantar partido alto no morro,
no asfalto sem discriminação

Meu nome é favela
é do povo do gueto a minha raíz
Becos e vielas
Eu encanto e canto uma história feliz
De humildade verdadeira
Gente simples de primeira.
salve ela o meu nome qual é?

Meu nome é favela
é do povo do gueto a minha raíz
Becos e vielas
Eu encanto e canto uma história feliz
De humildade verdadeira
Gente simples de primeira