sábado, 18 de maio de 2013

Um ano e Um dia: documentário mostra luta de moradores da Baixada pelo direito à moradia


Por Cecília Olliveira

No dia 17 de maio de 2003, cerca de 300 famílias da Baixada Fluminense ocuparam um terreno localizado próximo ao conjunto habitacional Pantanal, em Nova Iguaçu. O espaço, abandonado há décadas, servia para "desova" de cadáveres. Os moradores organizaram comissões, limparam a área, dividiram os lotes e construíram suas casas, que por cinco vezes foram derrubadas pela polícia.

Filmado em um único dia e sem recursos externos, 1 ano e 1 dia mostra a luta daqueles que batalharam por um pedaço de terra e que, mesmo sob o terror da violência policial, persistiram no sonho. Os diretores acompanharam as comemorações de aniversário da ocupação e reconstruíram, por meio de entrevistas com os moradores, a história das batalhas travadas até ali.



De acordo com o Doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito e membro da Associação Juízes para a Democracia, João Batista Damasceno, "é preciso lembrar que o então Prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, foi intimado a dizer se aceitava doação do terreno - que o proprietário aceitava doar - para assentar o pessoal e não respondia se aceitava ou não. Foi determinado que o processo com a oferta de doação lhe fosse entregue em mão, mas ele devolveu dizendo não aceitar a doação que poderia resultar na regularização das moradias. Um dos procuradores me falou que ele não aceitava a doação porque a regularização de uma ocupação poderia incentivar outras ocupações. Ainda que o Ministério da Cidade tivesse o dinheiro e se dispusesse a repassá-lo para as obras de saneamento, ele não aceitou a doação e não requereu o repasse do dinheiro. Mas, depois de julgada a possessória ele cadastrou o pessoal e fez doação de saquinhos de leite confeccionados com dinheiro público e com seu nome gravado. Deve estar respondendo ainda por improbidade administrativa".


Ficha técnica



Direção: Cacau Amaral, João Xavi e Rafael Mazza
Imagens: Cacau Amaral e Rafael Mazza
Som direto: João Xavier
Pesquisa: Cacau Amaral, João Xavi, Rafael Mazza e DJ DMC
Edição: Cacau Amaral
Finalização: Rafael Mazza
Tempo: 15 minutos
Formato captura: Mini-DV
Áudio: português - mono
Sistema: NTSC
Legendas: Inglês e francês



Prêmios



Prêmio Cara Liberdade – Mostra do Filme Livre - RJ (2005)
Prêmio Melhor curta pelo júri popular – Jovens Realizadores do Mercosul – CE (2005)
Prêmio Melhor curta – Festival de Curtas da UNIOESTE – PR (2005)



Outros festivais



1ª Festival NOSSAS NOVAS, Paris, França (2008)
4ª edição de BRÉSIL EN MOUVEMENTS, Paris, França (2008)
1º FRI Cine, RJ (2008)
5º Festival de Cinema de Maringá (2008)
Cine Social do Festival de Gramado, RS (2007)
Cine Cufa, O Cinema na Tela da Favela, RJ (2007)
Cine Cufa, Periferia Criativa, DF (2007)
Festival do Rio (2005)
I CINEPORT, Festival de Cinema dos Países de Língua Portuguesa, MG (2005)
10ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, RJ (2005)
II Mostra Cinema Popular Brasileiro em São Pedro da Serra, RJ (2005)
Festival Curta-SE V, SE (2005)
Festival Cine Ceará, CE (2005)
10º Festival Brasileiro de Cinema Universitário, RJ (2005)
Mostra Tangolomango, RJ (2005)
Hutúz Filme Festival, RJ (2005)

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Os humilhados serão exaltados: O preço do progresso é o mesmo desde a monarquia



Por Cecília Olliveira



Foto: Davi Marcos
Remoção: Ação ou efeito de remover ou ser removido. O conceito no dicionário é claro. Tão claro como o cotidiano da vida de milhares de cariocas desde que o Rio de Janeiro viveu a abolição e os negros tomaram as ruas da então capital federal da República, espalhando aquilo que “ninguém” podia ver: a pobreza que ameaçava a ordem e a beleza da aspirante a Paris tropical. 



Uma das primeiras remoções de que se tem notícia foi a que deu origem ao Morro da Favela, hoje conhecido como Morro da Providência e que até hoje sobre com remoções, como você pode ver aqui. Os negros alforriados que ocuparam lugares nos arredores das cidades, formando os cortiços, foram desabrigados de uma forma ainda comum: polícia chega, dá a ordem para sair, prende os que resistem, bota o lugar a abaixo. A história foi recentemente ilustrada numa cena da novela de João Emanuel Carneiro, feita com a ajuda de historiadores, Lado a Lado (confira a cena aqui). Assim, o cortiço Cabeça de porco, posto abaixo em 1893 pelo prefeito Barata Ribeiro deu origem a primeira favela do Rio. 


Logo os negros ganharam vizinhos. Os soldados que defenderam a República na Guerra de Canudos, na Bahia, também se instalaram ali, já que que não obtiveram sucesso na cobrança. 

Mais de 100 anos se passaram, o ação governamental ganhou ares de “progresso”, mas as práticas são as mesmas. Em 1800 casas que eram marcadas com a sigla PR (Príncipe Regente), hoje são marcadas com SHM (Secretaria Municipal de Habitação). Ambas residências estavam no lugar “errado”, por onde passaria o “progresso”, precisavam e ainda precisam, não estar ali e servir ao interesse da força dominante. Outrora Família Real, hoje especulação imobiliária. Em comum, o desrespeito, a imposição de decisões estatais, a destruição de histórias e vidas. É isso que o fotógrafo e videomaker Davi Marcos, de 34 anos, documenta. 

Filho de um mineiro e uma carioca, ambos moradores de favelas, hoje ele mora na favela Roquete Pinto, no Complexo da Maré. Seu pai morava na Baixa do Sapateiro, no Complexo da Maré e sua mãe no Morro do Andaraí, Morro dos Macacos, Morro do Timbau e Bonsucesso. Quando casaram, foram morar na COHAB de Ramos, onde Davi nasceu. Ele é pai de Marcos Eduardo, de 10 anos, a quem chama de “motivo para continuar meu sonho de artista”. 

"Espaço físico também carrega emoções"
Foto: Davi Marcos
“Queria mostrar que o espaço físico também carrega emoções, afinal, quem construiu aquele espaço, em sua grande maioria, foram as próprias pessoas que moravam ali. Logo eu via que sentimentos, memórias e impressões, de uma "comunidade" estavam "impregnados" em concreto, tijolos e madeira”, explica ele, que retrata tudo isso na série "Os humilhados serão exaltados", em construção, mas já disponível aqui.

As remoções e os escombros de casas das 31 favelas dos Complexos de Favelas de Manguinhos (13) e Jacarezinho (18), são o objeto de trabalho de Davi. A área ocupada em outubro para instalação de UPP, que foi inaugurada em 16 de janeiro tem pouco mais de um quilômetro quadrado e 75 mil habitantes. Destes, 26% são crianças com até 14 anos. 


De acordo com a legislação municipal o valor do aluguel social é de R$ 400, pagos por até dois anos, prorrogável por igual período. O removido tem duas “opções”: receber o valor do seu imóvel ou ser reassentado em algum lugar da cidade. A segunda opção seria a “menos pior”, se estes reassentamentos não fossem feitos em locais sem a mínima infraestrutura, para onde faltam escolas, hospitais, transporte, comércio, ou seja, o básico. Mais uma vez, a sonegação do básico. A avaliação do preço do imóvel é feita com base no Decreto 34522, de 2011 e avalia benfeitorias dos imóveis, ou seja, varia de caso a caso. (Veja aqui as partes 1, 2, 3 e 4 do decreto e aqui uma entrevista do Secretário de Habitação, Jorge Bittar)


Conheça a história de Davi Marcos, contada por ele mesmo: 

Davi e o filho:
"motivo para continuar meu sonho de artista"
(Arquivo Pessoal)
“Tenho um filho de 9 anos, Marcos Eduardo, que está sempre me motivando a continuar meu sonho de artista. Minha mãe tinha um apartamento que herdara de meu pai, esse que foram morar quando casaram. Porém ela deveria repartir com uma das irmãs de meu pai, pois constava na documentação o nome dela. 

Sempre houve briga pelo apartamento, minha mãe veio a falecer, dentro do mesmo, e eu decidi acabar com aquele karma. Vendi o apartamento por um valor muito abaixo ao de mercado, dei a parte de minha tia e fui em busca de uma nova moradia. Eu estava com muitas dívidas e desempregado, paguei o que devia e me mantive com o dinheiro que sobrou por um ano. Comprei ainda uma kitchenette na comunidade da Cobal, na "Faixa de Gaza" carioca. 

Conheci mais a fundo o Complexo do Mandela e Manguinhos, em um período que não conseguia mais ficar no apartamento da COHAB de Ramos. Passei um tempo morando no Mandela 2, na casa de meu amigo Bruno, um tatuador muito famoso na localidade. 

Antes disso, na verdade uns 9 anos antes, eu já havia morado em Manguinhos, numa casa de um outro amigo. Era a fase em que eu tinha uma banda Punk e a casa era frequentada por "roqueiros" de várias partes do subúrbio. Foi uma fase bem divertida. Andava de skate, estudava, trabalhava e cantava nessa banda, cujo nome era Abstinência. 

Também tive outra relação com Manguinhos e Mandela. Fui instrutor de fotografia em um projeto da Secretaria de Cultura, Governo Federal e Observatório de Favelas que se chamava Memórias do PAC. Nele os alunos fariam registros das transformações que aconteceriam na localidade durante a execução do projeto, mas infelizmente não houve uma continuidade. Isso acabou me estimulando a fazer algum tipo de registro sobre o que estava acontecendo, mas tive que deixar de lado por um tempo, pois a necessidade maior era meu sustento e de meu filho. Cheguei ao ponto de vender meu equipamento de fotografia. 

Passada esta fase ruim, retomei meu projeto pessoal e decidi que faria algo diferente do que nós, "os de dentro", sempre fazíamos. Queria mostrar que o espaço físico também carrega emoções, afinal, quem construiu aquele espaço, em sua grande maioria, foram as próprias pessoas que moravam ali, logo eu via que sentimentos, memórias e impressões, de uma "comunidade" estavam "impregnados" em concreto, tijolos e madeira. 

O nome do trabalho
Foto: Davi Marcos
Numa das minhas "incursões" pelos escombros, vi uma frase muito emblemática no terceiro andar de uma casa, Os Humilhados Serão Exaltados, ficou ecoando em minha mente, com certa tristeza e revolta, sentia como se a energia, daquele momento e de quem escreveu aquilo, estivesse tocando minha alma. Como estou me direcionando aos escombros, praticamente não sou visto fotografando, mas uma vez vi um olhar de uma senhora e era como se dissesse, o que tá fazendo aí? Não tem nada. Eu sorri e continuei minha busca pelos vestígios. 

A frase mais marcante não vi em parede. Ouvi de um vizinho que tem um comércio, ainda hoje em funcionamento, o Dentinho, que disse assim: “Davi, acabou tudo, quem viveu, viu e viveu, agora acabou, acabou a COBAL”. Ele me disse isso depois que comentei com ele que levaram as ferramentas de meu pai, uma cadeira de praia, um colchão inflável e as janelas, portas e canos de minha ex-casa. 

Isso aconteceu após o esvaziamento da favela, já as pessoas iam recebendo o aluguel social e indo embora. Isso faz cerca de oito meses. Então começaram os furtos, já que as pessoas não conseguiam levar tudo de uma vez de suas casas. Assim perdi as ferramentas que meu usava quando vivo. Ele era marceneiro. Esse foi mais um motivo para que eu buscasse naqueles escombros as memórias que dificilmente serão mostradas de outra forma. 

Casa destruida em Manguinhos
Foto: Davi Marcos
Enquanto tudo não for destruído por completo continuo esse trabalho. Espero que ele um dia se torne uma exposição. Isto que talvez concretize a exaltação que esperava quem escreveu a frase que tomou o meu projeto de mim e "resignificou" como uma ação da favela e não minha. Não sei explicar bem isso, mas é o que sinto. Não é mais meu e talvez nunca tenha sido. É de todos que em algum momento tiveram que tirar suas "raízes" e se transferirem para um outro lugar. 

No nosso caso, onde as estruturas não têm o suor de quem mora, mas que, espero, tenha a estrutura básica que todos devem ter, com material de qualidade e um planejamento eficaz, não apenas uma simples remoção, na verdade nem sabemos onde serão construídos os nossos apartamentos, mas estamos, mesmo que espalhados, de alguma forma juntos nessa jornada.